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Preservação de órgão nos pacientes com adenocarcinoma retal tratado com Terapia Neoadjuvante Total

A abordagem do câncer retal tem sido modificada substancialmente nos últimos anos. Entre estes avanços, destacam-se a consolidação da rádio (RT) e quimioterapia (QT) neoadjuvantes nos casos de tumores localmente avançados, e a utilização de tratamentos hipofracionados. Não obstante, a possibilidade de preservação de órgão em tumores que respondem bem à neoadjuvância (watch and wait, WW), está sendo cada vez entendida mais apropriadamente.

Garcia-Aguilar e colaboradores recentemente publicaram importante estudo sobre o tema no Journal of Clinical Oncology (doi/abs/10.1200/JCO.22.00032), com 324 pacientes com tumores de reto Estádio Clínico II (T3-4N0) e III (TxN1-2)  randomizados nos seguintes grupos:

Grupo A (indução), 158 pacientes, QT de indução com 5-fluouracil, leucovorin e oxaliplatina (FOLFOX) ou capecitabina e oxaliplatina (CAPEOX) seguido de RT com 45 Gy em pelve (incluindo linfonodos inguinais) com boost concomitante ou sequencial com dose total de 50-56 Gy. Concomitantemente, a QT era realizada com 5-fluoracil ou capecitabina.

Grupo B (consolidação), 166 pacientes, realizava o mesmo esquema de RT e QT, porém em ordem invertida, ou seja a QT isolada era realizada após o tratamento concomitante.

Ambos os grupos realizaram avaliação da resposta 8 semanas após o tratamento neoadjuvante (± semanas) com exame clínico, endoscópico e radiológico. Em caso de não haver resposta completa, o paciente era submetido à cirurgia. Quando a resposta clínica completa era identificada (independente do grupo), a abordagem com WW era oferecida com exame clínico, retossigmoidoscopia e ressonância nuclear magnética a cada 4-6 meses (ou quando clinicamente necessário). Biópsias aleatórias não eram realizadas. O desfecho primário foi sobrevida livre de doença (SLD).

Os grupos A e B apresentaram características de base  semelhantes e a tolerância ao tratamento neoadjuvante foi similar. Com um seguimento mediano de 3 anos entre os pacientes vivos, foi identificada SLD semelhante nos 2 grupos (76%). Adicionalmente, a incidência de metástases à distância e recidiva local foi igualmente similar.

A única variável relacionada à SLD foi a presença de linfonodo comprometido no estadiamento inicial. Dos 304 pacientes que foram avaliados em relação à resposta à neoadjuvância, 225 (71% e 76% dos pacientes dos grupos A e B, respectivamente) apresentaram resposta completa e a abordagem WW foi oferecida. No seguimento, 42/105 (40%) e 33/120 (27%) desenvolveram recidiva local nos grupos A e B, respectivamente, com o resgate cirúrgico sendo indicado.

Na análise considerando a  intenção de tratamento, 53% dos pacientes do grupo B (consolidação) estavam com o reto preservado após 3 anos em comparação com 41% dos casos no grupo A (indução) p = 0,01. Os fatores preditores na análise multivariada em relação à sobrevida com preservação do reto em 3 anos foram: estadiamento clínico T3, N+ ou uso de quimioterapia de indução. Adicionalmente, entre os 154 pacientes que apresentaram resposta incompleta ao tratamento neoadjuvante (79 pacientes não respondedores na avaliação de resposta e 75 no seguimento do grupo WW), 133 foram submetidos à cirurgia e apresentaram sobrevida similar entre si.

Os achados deste importante estudo vem ao encontro dos principais estudos avaliando a abordagem de acompanhamento ativo dos pacientes que apresentarem resposta clínica completa após o tratamento neoadjuvante, realizando-se a cirurgia em caso de recidiva local do tumor. Adicionalmente, similar aos achados do estudo CAO/ARO/AIO-12, o uso de quimioterapia de consolidação parece ser superior em relação à indução.

Por fim, a despeito de curto seguimento (mediana de 3 anos), este estudo corrobora e a utilização da abordagem inicialmente proposta por Angelita Habr-Gama no sentido de proporcionar mais dados robustos em relação à eficiência e segurança do tratamento conservador nos pacientes que apresentam câncer de reto localmente avançado e resposta clínica completa ao tratamento neoadjuvante.

 

Maurício Fraga da Silva, MD, PhD
Email: mauricio.f.silva@ufsm.br
Médico Radio-oncologista do Hospital Universitário de Santa Maria e Clínica de Radioterapia de Santa Maria

ECR

RT 2030