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ORATOR 2 trial – Avaliação da sobrevida e toxicidade com a desintensificação do tratamento (radioterapia vs. cirurgia trans oral) dos pacientes com carcinoma escamoso (CEC) de orofaringe HPV +

Os pacientes com CEC de orofaringe HPV +, especialmente aqueles com carga tabágica < 10 maços-ano, apresentam uma excelente resposta terapêutica com uma longa sobrevida global após o tratamento. São usualmente pacientes mais jovens e mais hígidos do que os pacientes com CEC relacionados ao tabaco e, portanto, mais propensos a vivenciarem por longos anos, com possíveis sequelas dos tratamentos empregados. Portanto, é tão importante entendermos se um tratamento é tão efetivo quanto um outro, mas também qual seria menos tóxico principalmente no longo prazo.

Em 2019, a LANCET Oncology publicou o ORATOR trial, um estudo fase II que randomizou 68 paciente com CEC de orofaringe (T1-2 N0-2 TNM 7ed) HPV+ entre Radioterapia (RT) (70Gy@35) +/- Quimioterapia (Qt_CDDP high dose) concomitante Versus TOS (cirurgia trans oral) com esvaziamento cervical (ND) +/- RT (60-64@30) e/ou QT adjuvantes, com desfecho primário de toxicidade da deglutição usando um score do MDAnderson chamado MDADI e o resultado foi que o braço da RT teve um melhor desfecho de qualidade de deglutição em relação ao braço da cirurgia, com uma morte por toxicidade no braço cirúrgico. Algumas das críticas a esse trabalho além do N pequeno foi o fato de não ter usado tratamento desintensificado como o demonstrado no ECOG 3311.

 

Para dirimir essa dúvida, foi desenhado o ORATOR 2 trial, um fase II que randomizou pacientes de orofaringe HPV+ T1-2 N0-2 (TNM 8ªed) entre dois tratamentos desintensificados: RT com 60Gy@30fr com QT (40mg/m2 de CDDP semanal) concomitante (apenas se múltiplos linfonodos + ou >3cm) Versus TOS + ND com ou sem tratamento adjuvante (RT adjuvante 50-60Gy@25-30fr em caso de >1 linf+ ou linf+ >3cm, margem exígua < 3mm ou positiva, extravasamento extracapsular [EEC], invasão linfo-vascular [LVI], pT3-4 e QT concomitante apenas em caso de doença residual grosseira que não pudesse ser ressecada). A cirurgia poderia ser transoral laser microsurgery (TLM) ou transoral robotic surgery (TORS), ambas com TQT eletiva e ligadura ipsilateral da carótida externa, ambas as medidas para evitar complicações graves devido à hemorragia em sítio cirúrgico. A RT era com técnica de IMRT e IGRT diário (cone-beam CT ou Kv-KV). Fato relevante é que tanto para o radio-oncologista quanto para o cirurgião de cabeça e pescoço, era necessária uma credencial (semelhante à do estudo E 3311) e todo caso de RT era revisado por um comitê de controle de qualidade.

 

O desfecho primário era sobrevida global (SG) e os secundários foram sobrevida livre de progressão (SLP), qualidade de vida (QOL) e toxicidade.

 

Os resultados preliminares do estudo foram publicados na JAMA Oncology de 2022.

 

Resultados:

Entre 13 de fevereiro de 2018 e 17 de novembro de 2020, 61 pacientes foram inscritos em 9 instituições no Canadá e na Austrália, com 30 pacientes (49,2%) randomizados para o braço RT e 31 (50,8%) para o braço TOS. Os braços estavam bem balanceados para as características de base. Em toda a coorte, a idade mediana foi de 61,9 anos, a maioria dos pacientes (31 [51%]) era não tabagista e a maioria (51 [86%]) era do sexo masculino.

Dos 61 pacientes randomizados, 5 (8%) não receberam tratamento especificado pelo protocolo. Dos 27 pacientes no braço TOS que foram submetidos à cirurgia, 25 (93%) receberam TORS e 2 (7%) receberam TLM. Quinze pacientes (56%) foram submetidos a ND ipsilateral e 12 (44%) a ND bilateral. A adesão à ligadura da artéria carótida externa foi de 100%. Vinte dos 31 pacientes do braço cirúrgico (65%) receberam traqueostomias temporárias exclusivamente para proteção das vias aéreas no pós-operatório. O status da margem foi negativo em 18 (67%), próximo (<3 mm) em 7 (26%) e positivo em 2 (7%). Vinte e um pacientes (78%) necessitaram de tratamento com RT adjuvante, com dose de radiação adjuvante mediana de 52Gy; nenhum necessitou de tratamento com quimioterapia concomitante. No braço de RT, a dose mediana foi de 60Gy, e 21 pacientes (72%) receberam quimioterapia concomitante.

O acompanhamento mediano foi de 17 meses e para o desfecho primário (SG) foram observadas 3 mortes, houve 3 eventos de morte, todos no braço TOS, incluindo 2 mortes relacionadas ao tratamento (0,7 e 4,3 meses após a randomização, respectivamente) e 1 de infarto do miocárdio em 8,5 meses. Houve 4 eventos para o desfecho PFS, também todos no braço TOS, que incluiu os 3 eventos de mortalidade e 1 recorrência local.

Os dados de SG ainda estão imaturos e serão apresentados no próximo ano.

O trial foi fechado precocemente por risco inaceitável de toxicidade grau 5 no braço de TOS.

 

Conclusão:

Neste estudo a cirurgia foi associada a um risco inaceitável de óbito, mas os pacientes em ambos os braços obtiveram bons resultados de deglutição em 1 ano. O acompanhamento a longo prazo é necessário para avaliar os resultados de OS e PFS.

Levando-se em conta o ORATOR trial e o ORATOR trial 2, o tratamento com RT +/- QT tem demonstrado potencial de se tornar a melhor estratégia de tratamento para os pacientes com CEC de orofaringe relacionado ao HPV, sendo necessário aguardar os resultados de outros trabalhos em andamento para adicionar mais informações a esse tema tão controverso na oncologia de cabeça e pescoço.

 

O link para o artigo segue abaixo:

https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35482348/

 

Dr. Igor Migowski

Radio-oncologista, responsável técnico pelo serviço de Radioterapia do Americas Medical City, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro.

Twitter: @I_Migowsk

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ECR

RT 2030