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Emprego do bloqueio androgênico associado à radioterapia no tratamento do câncer localizado de próstata

Uma metanálise recentemente publicada quantificou o benefício da adição do bloqueio androgênico à radioterapia no tratamento do câncer localizado de próstata. Foram incluídos 12 estudos relevantes, prospectivos e randomizados, envolvendo 10.853 pacientes, publicados entre 1962 e 2020. O objetivo primário foi avaliar o impacto dessa adição na sobrevida livre de metástases.

Com seguimento de 11,4 anos, a adição do bloqueio androgênico para pacientes de riscos intermediário e alto aumentou de forma estatisticamente significante a sobrevida livre de metástases a distância, com HR=0,83 (intervalo de confiança: 0,77 – 0,89; p<0,0001) e benefício absoluto na sobrevida global de 8,6%. O prolongamento da hormonioterapia adjuvante (durante e após radioterapia) de 4 a 6 meses para 18 a 36 meses também aumentou de forma significativa a sobrevida livre de metástases, com HR=0,84 (intervalo de confiança: 0,78 – 0,91; p<0,0001) e benefício absoluto na sobrevida global de 7,7%. O emprego da hormonioterapia neoadjuvante (antes da radioterapia) não promoveu benefício na sobrevida global ou livre de metástase a distância, com HR=0,95 (intervalo de confiança: 0,83 – 1,09; p=0,50). O benefício alcançado pela adição da hormonioterapia foi independente do grupo de risco (intermediário ou alto), idade (coorte de 70 anos) e dose de radioterapia (coorte de 74 Gy).

Comentários:
A metanálise em questão quantifica o benefício da estratégia que já é feita de rotina para câncer de próstata de riscos intermediário e alto. Com a informação do aumento de sobrevida livre de metástase com adição do bloqueio hormonal e, principalmente, com longa duração, conclui-se que há efeitos sistêmicos dessa associação.

Não foi possível comprovar por essa metanálise se os pacientes de risco intermediário se beneficiariam do prolongamento da hormonioterapia adjuvante para 18 a 36 meses uma vez que a maioria dos estudos fizeram essa comparação apenas para os pacientes de alto risco.

O achado de ausência de benefício do emprego da hormonioterapia neoadjuvante já era esperado uma vez que a duração dessa estratégia é em média de apenas dois meses. No entanto, embora os autores não recomendem essa estratégia, ela pode ser útil para os pacientes com próstatas muito volumosas. Utilizar a hormonioterapia por dois meses ou mais antes da radioterapia permite que o volume da próstata diminua e, por consequência, também o volume de entrega de radiação nas margens que atingem o reto e a bexiga e, por sua vez, menor potencial de toxicidade nesses órgãos. Essa estratégia é razoável mesmo para os pacientes que serão tratados com técnica IMRT.

Mesmo os pacientes acima de 70 anos tiveram benefício com o emprego da hormonioterapia. Esse achado é muito importante porque há sempre discussão se a hormonioterapia nesse grupo de pacientes seria deletéria. Vale então, avaliação individual de cada paciente nessa faixa etária com relação a co-morbidades e pesar os riscos e benefícios da adição da hormonioterapia.

Os estudos de escalonamento de dose de radioterapia para o tratamento primário do câncer de próstata mostraram melhora do desfecho sobrevida livre de recorrência bioquímica, porém, nenhum deles mostrou impacto na sobrevida global. Os estudos de adição de bloqueio androgênico à radioterapia para o tratamento de pacientes com câncer de próstata de riscos alto e intermediário mostraram melhora no controle local e a distância de doença com essa associação. No entanto, na maioria desses estudos, a radioterapia foi utilizada com doses não escalonadas, em torno de 64 a 70 Gy, ao invés de 74 a 80 Gy. Diante desse contexto, a principal questão que surgiu é se haveria benefício do bloqueio androgênico quando utilizamos dose escalonada. Será que o bloqueio hormonal atrasou a progressão de doença nos pacientes que receberam dose mais baixa de radioterapia? Essa metanálise comprova que mesmo com dose escalonada acima de 74 Gy há benefício da adição da hormonioterapia.

Concluindo, a metanálise recomenda o que já é feito na prática atual, ou seja, o emprego da hormonioterapia associada à radioterapia por seis meses para os pacientes com câncer de próstata localizado de risco intermediário e por 18 a 36 meses para os de alto risco. A hormonioterapia neoadjuvante, em torno de dois meses antes da radioterapia, ficaria reservada apenas para os pacientes com próstata volumosa (acima de 50 gramas).

Referência:
Kishan AU, Sun Y, Hartman H, et al. Androgen deprivation therapy use and duration with definitive radiotherapy for localized prostate cancer: an individual patient data meta-analysis. Lancet Oncol 2022; 23 (2): 304 – 316.


Dr. Robson Ferrigno
Coordenador dos Serviços de Radioterapia do Hospital BP
Doutor em Medicina pela Universidade de São Paulo
Ex-Presidente da Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT)
Atual Diretor de Defesa Profissional da SBRT

 

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