Os gliomas de alto grau são os tumores primários cerebrais mais comuns em adultos. Cerca de 40% dos tumores OMS grau III e 90% dos tumores OMS grau IV irão recidivar em até 2 anos, com uma sobrevida livre de progressão mediana de 6.9 meses e sobrevida global de 14.6 meses nos glioblastomas. O sítio mais comum de recorrência é no leito operatório e/ou em suas bordas. Neste cenário, é fundamental a busca por estratégias de tratamento eficazes no resgate destes pacientes.
São diversas as opções de tratamento no cenário de doença recorrente, desde de cuidados de suporte para os pacientes com baixa performance clínica e doença difusa ou multifocal, até um manejo mais intenso e invasivo, com reabordagem cirúrgica associada à irradiação e quimioterapia complementar em paciente com boa performance e doença focal.
Estudos retrospectivos mostram que a reirradiação é uma estratégia bem tolerada e segura, proporcionando importantes benefícios aos pacientes, desde paliação com a redução da necessidade de corticoterapia prolongada, bem como melhora dos possíveis sintomas neurológicos e, finalmente, maior sobrevida livre de progressão até melhora marginal de sobrevida global em pacientes selecionados. Já o uso de bevacizumabe (BEV) – terapia anti-fator de crescimento endotelial vascular (VEGF) – em monoterapia no glioblastoma recorrente é realizado desde 2009, a partir de estudos prospectivos que mostraram uma melhora em sobrevida global e livre de recorrência, 9 e 6 meses respectivamente.
O RTOG 1205 é o primeiro estudo prospectivo fase II realizado para analisar o real benefício da adição da reirradiação à quimioterapia com BEV nos pacientes com glioblastoma recorrente. O racional para esta combinação seria diminuir a radioresistência tumoral através dos agentes anti-angiogênicos e reduzir a possível radionecrose, notadamente associada a irradiações.
Seu desenho de estudo foi realizado em dois braços – um com BEV isolado na dose de 10mg/Kg a cada 14 dias até a progressão da doença; outro braço com BEV no dia 1 re-RT 35Gy em 10 frações + BEV no dia 14 BEV 10mg/Kg a cada 14 dias até a progressão da doença. O desfecho primário avaliado foi sobrevida global, com desfechos secundários de sobrevida livre de progressão, sobrevida livre de progressão em 6 meses, eventos adversos e toxicidades neurológicas agudas ou tardias > grau 3. Foi permitida a inclusão de pacientes com intervalo de RT prévia > 6 meses, KPS > 60% e doença multifocal, desde que o volume do tumor não ultrapasse 6cm.
Como resultados, foram randomizados 170 pacientes com um seguimento mediano de 12.8 meses. A sobrevida global mediana foi de 9.7 meses para o braço de BEV isolado e de 10.1 meses para o braço de re-RT com BEV. A análise multivariada mostrou que idade > 50 anos , KPS<60% e ausência de metilação MGMT estão associados a pior sobrevida global. O subgrupo de KPS > 90% apresentou benefício em sobrevida com a adição da reirradiação.
A melhor resposta objetiva do tratamento controle ocorreu através da avaliação radiológica pelo critério de RANO e MacDonald, com uma sobrevida livre de progressão mediana de 3.8 meses e 7.1 meses para os grupos de BEV isolado e Re-RT com BEV, respectivamente. Já a sobrevida livre de progressão em 6 meses foi de 29.1% x 54.3% a favor do braço controle. Este benefício mostra-se muito acima da média dos estudos publicados na literatura, com uma sobrevida livre de progressão em 6 meses em torno de 15%, chegando a 30% com os tratamentos testados previamente.
Aproximadamente 10% dos pacientes descontinuaram o BEV devido a efeitos adversos ou complicações.
Dessa forma, reirradiação combinada a agentes sistêmicos e outras técnicas de radioterapia são caminhos potenciais no tratamento do glioblastoma recorrente. Irradiação hipofracionada estereotática permite tratar grandes volumes tumorais, principalmente em áreas eloquentes; porém estudos prospectivos com o campo de radioterapia direcionado pelo FLAIR devem ser considerados.
Embora o tratamento de resgate do glioblastoma recorrente permaneça controverso, ainda sem um esquema terapêutico com claro benefício em sobrevida global, a radioterapia hipofracionada moderada associada ao BEV mostra-se efetiva e segura no manejo desta patologia, com um importante ganho em sobrevida livre de progressão em 6 meses neste cenário ainda tão desafiador para médicos e pacientes.
Dra. Bruna Bueno
Radio-Oncologista Grupo Oncoclinicas RJ